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Uma idéia ruim deturpada no processo político

O PLS 263/2004, de Rodolpho Tourinho (DEM-BA) autoriza a criação de cadastros positivos sobre os consumidores. Ao invés de registrar calotes und so weiter, tais cadastros registrariam o bom comportamento creditício. A única qualidade positiva deste cadastro é que, em casos de vazamentos, este não prejudicaria, em princípio, as pessoas que ali estão. Mas na política brasileira idéias ruins sempre atraem maus políticos que as transformam em péssimas idéias. E foi o que aconteceu com esta lei.

Ah, antes que tu perguntes. Foi sim um tucano que estragou o projeto, senador Antero Paes de Barro (PSDB-MT) com a Emenda 1, que tem o texto: "ficando, na hipótese, dispensada a comunicação a que alude o § 2º [do art. 43]". E pronto, mais uma bicada tucana na frágil privacidade do brasileiro. Claro que este absurdo teve apoio do relator do projeto, senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN). Aulinha de história: o PSDB é um spin-off do PMDB. Então, no dia 14 de setembro de 2005, Alves Filho, um PeidoH.D. em Direitos Individuais, expele seu relatório.

Alves Filho com todo seu conhessimento de privassidade dá cinco razões cujas quais ele acredita validar a emenda Barro (curioso ficou este nome!). A primeira razão seria:

Primeiro, a inclusão, em sistemas de proteção ao crédito, de dados creditícios referentes a usuários de crédito (consumidores) constitui requisito necessário ao exercício dessa atividade econômica, a qual está baseada em dados e informações sobre operações de crédito firmadas com consumidores.
Desde quando que "a inclusão [no SPC e outros] constitui requisito necessário ao exercício dessa atividade econômica"? Até onde me conste não é crime conceder um financiamento sem consultar centrais de crédito. Diga-se de passagem, inúmeras operações de crédito são realizadas diariamente pelo Brasil todo sem tais consultas, ou o sr. Alves Filho acha que mercearia de um bairro de periferia vai ter um PC para vender fiado.

Segundo, os cadastros positivos fomentam a efetividade de diversos princípios constitucionais que informam a ordem econômica, em especial: a) a livre iniciativa econômica (CF, art. 170, caput); b) a defesa do consumidor (CF, art. 170, inc. V), porquanto propiciará o barateamento da captação de empréstimo pelos bons pagadores; c) a defesa da concorrência (CF, art. 170, inc. IV), porque estimulará a competição, entre instituições financeiras, pela oferta, aos bons pagadores, de serviços creditícios mais baratos; e d) a busca do pleno emprego (CF, art. 170, inc. VIII), porque propiciará maior eficiência alocativa na concessão de crédito, tanto no aspecto subjetivo (a quem conceder o crédito), como no aspecto objetivo (volume de crédito a ser concedido).
Bom, um festival de afirmações que não possuem nenhum suporte científico para corroborá-las, ou seja, apenas um bando de opiniões baseadas sabe-se lá em que. Quando que uma lei, que não tem como objetivo abrogar lei anterior, conseguiu aumentar a liberdade de iniciativa econômica? Nunca, a não ser na mente depravada de uma pessoa que acha que o estado pode fomentar atividades econômicas. Outra opinião é que tal cadastro positivo realizaria a defesa do consumidor pelo barateamento de captação de empréstimos. Até onde me conste defesa do consumidor é dar instrumentos para ele se proteger de fraudes e empresários maliciosos e não a determinação de taxas de juros, que deve ser feita pelas interações de credores e devedores; isto mostra o intervencionismo de Alves Filho. O terceiro item seria a defesa da concorrência. Duas perguntas senador: quantas entidades manterão cadastros positivos e o sr. tem alguma idéia da burocracia infernal para se abrir uma empresa que ofereça crédito. Ah, o senhor sabe que a Caixa e o Banco do Brasil dominam metade do mercado de bancos de varejo no Brasil e que bancos de capital estrangeiro precisam de autorização presidencial para abrir uma mísera agência. E por último, ele fala da busca pelo pleno emprego. A simples existência de cadastro não necessariamente criará mais empregos, uma vez que se poderá utilizar de estruturas já existentes e que, se tal cadastro funcionar, o processo de crédito poderia se dar de forma totalmente automatizada.

Terceiro, a exigência de que a inclusão de dados em cadastros positivos dependa de anuência, prévia ou póstuma, do consumidor, inviabiliza, em termos operacionais, qualitativos, de custo e de tempo, a atividade de prestação de serviços de informação creditícia por meio de cadastros positivos.

Quarto, considerando-se, como salientado no parágrafo anterior, que a exigência de anuência do consumidor inviabiliza a formação e manutenção de cadastros positivos, deve ser considerada razoável e proporcional a restrição que tal atividade opera na intimidade e na vida privada dos consumidores (CF, art. 5º, inc. X).

Quinto, considerados o disposto no parágrafo anterior e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não há vício de inconstitucionalidade se a busca de objetivos e valores juridicamente tutelados – no caso, a livre iniciativa econômica, a defesa da concorrência, a defesa do consumidor e a busca do pleno emprego, promovidos por meio do exercício da atividade relacionada aos cadastros positivos – acarreta restrição razoável e proporcional (isto é, que atenda aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade) a direitos e garantias fundamentais.
Chegamos no ponto central da questão, algo que 95% dos brasileiros não conseguem entender quando se trata de dados pessoais. DADOS PESSOAIS SÃO PROPRIEDADES DAS PESSOAS QUE OS IDENTIFICIAM. E como propriedade privada devem ser tratados. E como se sabe, por exemplo, ninguém é obrigado a abrir uma conta em tal banco. A pessoa tem o direito de escolher o banco de sua conveniência pelo simples fato dela ser a proprietária da quantia em questão. E claro, a exigência de comunicação prévia em bancos de dados nunca impediu a existência destes. Aliás, a grande questão seria a pessoa ter a liberdade de decidir pela inscrição em banco de dado, uma vez que o dado pertence a ela.

Então, o sr. Alves Filho cita o imbecil princípio da razoabilidade e proporcionalidade, e explico o porquê de tal imbecilidade. Uma amostra só pode ser considerada proporcional se comparada com uma amostra de referência. Mas qual é esta amostra de referência? Ninguém sabe e nunca saberá uma vez que as expectativas humanas são únicas, mesmo quando inúmeros indivíduos demonstram semelhança em expectativas. Qual foi o homem médio que Alves Filho utilizou? Ele, a sogra dele, o amiguinho imaginário dele? Ninguém sabe quais são os parâmetros de comparação para determinar e contra-provar se tal PLS é razoável e proporcional. Além disso, o sr. Alves Filho não consegue citar nenhum trecho da constitução que corrobore restrição a direito fundamental para tal caso, visto que, decisões do STF nada mais são do que um grupinho de pseudoiluminados tentando atochar suas idéias no Brasil sem um processo legislativo devido.

Isso para falar na dita coerção legal para inscrever os dados pessoais em cadastros positivos, nas palavras do sempre intelijente Alves Filho:

d) coercitividade, representada pelo comando imposto ao fornecedor de crédito, o qual deverá enviar, ao titular do sistema de proteção de dados, informações referentes aos seus tomadores de crédito,
Qual vai ser a punição para que não mandar tais dados para os cadastros positvos? Aliás, existe alguma punição para quem não envia dados para cadastros negativos? Norma sem sanção não é norma e ponto final. Aí, para mostrar uma espécie de "respeito" aos consumidores, Alves Filho inventa uma cláusula de anti-discriminação. Com isso, o esperto conseguiu desvirtuar o sistema. Qual a lógica do sistema? É a permissão de uma troca. As pessoas que estão dispostas a ceder dados pessoais para cadastros receberiam em troca taxas de juros menores. Aquelas que não abrem mão de seus dados pessoais, teriam juros maiores pelo fato de não haver conhecimento do passado do consumidor. Agora, qual a razão de um cadastro positivo quando não poderá haver discriminação entre aqueles que ali estão e os que não estão cadastrados?

Agora, a proposta que foi aprovada sem votação no Plenário do Senado, tramita na Câmara dos Deputados sendo o PL 405/2007. O PL já teve um parecer na Comissão de Constituição e Justiça proferido pelo dep. Walter Ihoshi (DEM-SP), outra nulidade absoluta e inconteste no campo da privacidade. E de acordo com as regras da vida, nulidade com nulidade anulam-se mutualmente e dão uma afirmativa. Neste caso, apoiando a imbecilidade deste PL.
Pelo menos na Câmara, o dep. Max Rosenmann (PMDB-PR) apresentou um voto em separado pedindo a rejeição e o PL não está mais na pauta da CCJR.

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