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Um editorial e um artigo contra o cadastro de torcedores

O meu último post foi sobre a ridícula idéia de criar um cadastro de torcedores de futebol. Hoje, Folha de S. Paulo editorializa contra o tal cadastro:
Todos fichados

QUANDO CARTOLAS e autoridades se reúnem para promover uma Copa do Mundo no Brasil, ao cidadão, em especial na condição de contribuinte, é recomendável dose extra de desconfiança. A ideia agora é implantar um cadastro nacional de torcedores, que seria condição necessária para ter acesso aos estádios de futebol.

Boas intenções, como sempre, não faltam. O propalado objetivo da medida é ampliar a segurança nas partidas de futebol. De posse de um cartão magnético contendo suas digitais, só torcedor "ficha-limpa" seria admitido depois da checagem numa catraca ultratecnológica; quem deve à Justiça seria barrado.

Ao que consta, contudo, poucos se puseram a verificar se, para atingir a pacificação nos estádios, é mesmo necessária tamanha elucubração cibernética. De saída, o método escolhido pelos dirigentes inverte a lógica: em vez de fichar apenas os suspeitos, os torcedores violentos, ficham-se todos. Além disso, barrar a entrada de uma pessoa num evento público porque ela não tem um "cartão de torcedor" parece abertamente inconstitucional.

Outro aspecto intrigante do projeto é que ele não fala em custos. Implementar o cadastro nacional, imprimir milhões de cartões magnéticos e instalar catracas "inteligentes" nos estádios não é barato. Mas o governo promete que a carteirinha sairá de graça -para o torcedor. Pretende destinar dinheiro dos impostos à aventura? Que suspeitos de sempre serão beneficiados com o monopólio da impressão de carteirinhas e outras facilidades?

A experiência internacional demonstra que a violência nos estádios se combate com ações convencionais das autoridades policiais e judiciárias e com um mínimo de adaptação nas leis penais. A receita é identificar os arruaceiros e bani-los das partidas de futebol -para sempre, nos casos mais extremos.
E uma coluna de Flávio Tavares em Zero Hora (acho que é a primeira vez que concordo com o dito cidadão):
Violência e futebol, por Flávio Tavares
(...)
Cenas brutais de violência e até de morte aparecem aos nossos olhos pela TV. Essa estúpida brutalidade, em que jovens se enfrentam só por terem camisas diferentes, levou o ministro dos Esportes a apresentar um plano para “coibir a violência nos estádios”.

O plano do ministro Orlando Silva, porém, é de absoluta tolice: instituir um cadastro geral de torcedores e só vender entradas nos estádios mediante a apresentação de identidade...

***

A ideia é estapafúrdia, não busca as causas do horror e só burocratiza a violência.

O cadastro geral de torcedores exigirá criar um novo órgão, com milhares de funcionários públicos incumbidos da função inútil de classificar assistentes! A medida é de uma inutilidade total. Apresentada como ironia por algum palhaço num picadeiro de circo, geraria risos e aplausos. Mas vinda de um ministro e apresentada com seriedade, torna-se ridiculamente perigosa.

E desnuda a mentalidade que nos governa há dezenas de anos: a visão do Estado policial, em que cada cidadão dependa dos burocratas de plantão.

Comentários

Anônimo disse…
Rodrigo, esse comentário não tem relação com o post, mas sempre tive essa curiosidade. Você aparenta ser uma das poucas pessoas a se preocupar em quantas anda a privacidade aqui pelo Brasil e teus posts são geralmente bem articulados. Desculpe a pergunta, não precisa respondê-la se quiser, mas você é formado em Direito ou trabalha com algo ligado a isso?
Rodrigo Veleda disse…
Não sou advogado nem estudo direito. Meu lance é engenharia

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